sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O Atravessador.




A margem do rio vivia um artesão de extraordinária capacidade. Seus trabalhos possuíam qualidade insuperável e nunca até aquele momento alguém havia produzido objetos com tamanha qualidade usando os meios que ele usava.
Na margem direita do rio onde funcionava seu ateliê, todos o conheciam e o veneravam, porém na margem esquerda ninguém o conhecia.
Por vezes o artesão sentava a margem do rio e passava horas observando o outro lado e admirado, permanecia ali estático, até que o ultimo fragmento de luz se punha no horizonte.
O artesão pensou em construir uma embarcação e levar seus trabalhos para o outro lado do rio, mas logo se viu diante de um impasse: levaria um ano para construir o barco e a viajem duraria um mesmo tempo e logicamente teria que abandonar sua produção.
Esperava ansioso pelo momento em que concluíssem a construção da ponte, mas esta obra já havia demandado tanto material e consumido tantas vidas que o artesão considerava sua conclusão uma Utopia.
O trabalho do artesão valia cem vezes o trabalho de um carpinteiro, e eram trabalhos igualmente necessários para a manutenção da vida aqui na margem direita, mesmo assim seus conterrâneos o agraciavam e entendiam que seu trabalho fosse equivalente ao esforço de cem carpinteiros. Reconheciam a necessidade de tal sacrifício, pois sua obra era imprescindível para a perpetuação das praticas da sociedade a qual estava inserido.
Restava ao artesão uma solução que resolveria o impasse quanto ao envio de seus trabalhos a margem esquerda do rio: teria ele de recorrer aos atravessadores.
Os atravessadores eram homens destemidos, ansiosos por aventura, especuladores confessos, filhos das maravilhas modernas. Eram peritos em construção naval e conheciam como poucos as artes da navegação.
O artesão não se sentia bem diante destes homens de hábitos recentes, que conquistaram do dia para a noite um reconhecimento tal que superava o de muitos mestres da antiguidade. O artesão desconfiado, experimentado nas artes da observação, temia ser enganado por esta nova classe de aventureiros, mas infelizmente não havia escolha, ou entregava suas obras a sorte destes aventureiros ou teria de desistir do sonho de levar seus trabalhos para o outro lado, para a margem esquerda do rio.
O artesão se resignou e aceitou o auxilio do atravessador. Fechou-se em suas pesquisas e na sua produção e deixou a cargo do atravessador a missão de levar as obras ao outro lado.
Em pouco tempo a popularidade do artesão aumentou. Ouvia maravilhado o atravessador falar do impacto causado por seus trabalhos. Dizia o atravessador que suas obras “revolucionariam” a margem esquerda do rio.
A demanda aumentou e teve que aumentar sua produção e contratar mais ajudantes e muitas vezes enviava obras que considerava inacabada, pois segundo o atravessador as pessoas da margem esquerda apreciavam tais trabalhos.
O artesão era motivado pelo atravessador a renovar-se a utilizar outros meios e outros materiais, mas nisto o artesão se deslocava de seu meio que era referencia para as obras. Sentia-se flutuando entre espaços desconhecidos, seguindo cegamente o sabor das encomendas. Aos poucos a repetição tomou conta de seus trabalhos e assim o foi até a extenuação final.
Cansado e incapacitado de continuar sua produção o artesão encerrou suas atividades e convidado pelo atravessador, partiu em uma viajem triunfal a fim de receber os “louros” das mãos do povo da margem esquerda.
O encontro o deixou perplexo: neste lugar sua obra valia o equivalente ao trabalho de mil e quinhentos carpinteiros e as especulações não cessavam. O artesão teve a intuição, uma espécie de visão que só os iluminados alcançam, de que o significado da obra havia tomado outra direção durante a travessia pelo rio. Ele não conseguia apreender totalmente o que se passava sentindo que algo, no mínimo imprevisto acontecera. Já o atravessador estava plenamente realizado com o autovalor que as obras de seu artesão conquistaram no mercado de arte.
O artesão retornou para a margem direita do rio e contou aos jovens artesãos o que se passara. A idade avançada não permitiu que o artesão, por suas próprias mãos, revertesse esta situação que tanto o incomodava, de modo que resolveu calar-se, sentar-se à margem do rio e esperar a morte assistindo o por do sol.
Os artesãos que cresceram dispostos a não repetir o erro do mestre, hoje enfrentam outro dilema imposto por não se sabe quem, se uma “entidade abstrata” ou se uma “idéia fantasma”, o fato é, afirma esta voz misteriosa:
-          “Aos homens e inclui-se ai os artesãos, tudo é permitido, desde que façam o que  desejo que seja feito”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário