sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A Laranjeira



Meu vizinho possuía uma laranjeira que frutificava várias vezes durante o ano.
O café da manha, almoço, janta eram acompanhados de suco de laranja, bolo e outras receitas que a família aprendia a utilizar o fruto abundante.
Todos os filhos do vizinho eram alimentados pela laranjeira, haja vista que as laranjas excedentes eram trocadas na feira por produtos de primeira necessidade, além de doações que faziam a vizinhos mais necessitados.
Toda a família do meu vizinho se alimentava e trabalhava na laranjeira.
Certo dia um homem bem vestido, com maleta de couro e sotaque estrangeiro foi à casa do vizinho e lhe fez uma proposta tentadora. Ofereceu uma quantia generosa pelo terreno e pela laranjeira, além de uma mansão no outro lado da rua e garantir emprego para todos os filhos do vizinho. O estrangeiro projetou índices de desenvolvimento estratosféricos, aumentaria a produção com o incremento da tecnologia e empregaria toda a vizinhança.
Meu vizinho era uma pessoa de idade avançada, estava em idade de descansar, conversou com seus filhos que foram favoráveis a venda. Tinham consciência de que conseguiam se sustentar graças à laranjeira, porém não conseguiam o suficiente para comprar os produtos que a tecnologia punha nas prateleiras e de certa forma sentiam-se inferiores e a possibilidade de crescimento rejuvenescia sua aspirações espirituais.
O negócio foi concretizado em termos legais e meu vizinho muito feliz com a quantia recebida. A mansão do outro lado da rua fora construída, instalada e mobiliada com toda a tecnologia do investidor estrangeiro que se prontificou e possuía os meios para prestar serviços de manutenção dos equipamentos.
O estrangeiro montou uma mega indústria e toda a força de trabalho sadia foram aproveitadas.
Agora todos os funcionários sonhavam em ter uma casa aconchegante, repleta de aparelhos eletrônicos de ultima geração e ter um veiculo para passeios de fim de semana e viver a maneira como viviam os compatriotas do estrangeiro.
Aos poucos o ritmo de trabalho, o contato com materiais insalubres e outras intempéries levaram os trabalhadores a apresentar sintomas e enfermidades que antes não ocorriam na vizinhança. Foi preciso instalar um sistema de saúde com tecnologia estrangeira para tratar os enfermos.
A educação básica das crianças foi alterada para atender as necessidades da empresa, Laranjeiras.
A cultura da vizinhança foi afetada, mudando a noção de valores que possuíam. Alguns costumes foram esquecidos e substituídos.
Meu vizinho começou a se preocupar com os altos gastos com a manutenção dos equipamentos eletrônicos de sua mansão. Pensou em vendê-los mais a família usufruía os equipamentos, tinha se adaptado a eles de modo que não saberia viver sem as maravilhas do estrangeiro. Ele estava preocupado com o futuro de seus netos e pensou em destruir a piscina nos fundos da casa e preparar o terreno para plantar uma laranjeira. Sabia que morreria sem vê-la frutificar, mas seus netos usufruiriam da planta. Depois de vencer as resistências em sua família descobriu que a laranjeira havia sido modificada geneticamente de modo que não era permitido usar a muda da laranjeira primitiva e sendo obrigado a utilizar a laranjeira modificada que produzia um fruto maior, porem com sabor amargo, foi informado que teria a pagar um valor anual pela patente da fruta. Essas leis formuladas pelo estrangeiro proibiam qualquer pessoa de plantar laranjeira, a menos que comprassem os direitos pela laranjeira que ele havia criado. Meu vizinho se viu então obrigado a trabalhar na empresa do estrangeiro.
Aos poucos, a falta de consciência ambiental da empresa Laranjeiras se tornou perceptível. O solo foi contaminado atingindo os lençóis freáticos. No córrego nos fundos depositavam toda espécie de dejetos e estes desembocavam em rios maiores importantes para pesca e o mar, prejudicando a temporada de veraneio. Nem era preciso calcular os prejuízos a vida humana que causavam estes eventos.
Meu vizinho foi contratado para pesquisar as terras da região e fazer um levantamento para detectar quais áreas eram próprias para o plantio de laranjeiras.
O estrangeiro havia criado uma nova espécie de laranjeira que frutificava em tempo recorde, porém que consumia mais rapidamente os recursos naturais. Meu vizinho aproveitou-se da situação e negociou os fundos de sua casa. Arrancaram a piscina e plantaram algumas laranjeiras. Em troca o estrangeiro faria a manutenção dos equipamentos eletrônicos por um tempo indeterminado, porem não estava previsto no contrato que o estrangeiro fosse responsável pela manutenção de equipamentos com nova tecnologia e dessa forma à medida que foram substituídos os eletrônicos meu vizinho voltou a endividar-se arcando com os custos e tempos depois vendeu seu veiculo e cedeu o jardim em frente a sua casa para que plantassem laranjeiras.
Com a crise da laranja no comércio internacional, muitos funcionários foram demitidos e como a empresa Laranjeiras era a única na vizinhança, ficaram sem oportunidade de se sustentar e se retiraram para regiões periféricas da vizinhança. Começaram a realizar atividades autônomas de prestação de serviços, catando o lixo que outros produziam, alguns se viram obrigados, ou por necessidade, ou por falta do conjunto de valores culturais que permitissem outra alternativa, a furtar. Aos poucos a organização da vizinhança foi se minando.
Refeita da crise a empresa trouxe pessoas de outras regiões, que possuíam experiência com a nova espécie de laranjeira o que aumentou a população da vizinhança.
Em poucos anos a degradação ambiental causada pela empresa não permitia aos habitantes da vizinhança ao menos condições de subsistir, e estes números aumentavam.
Meu vizinho endividado vendeu sua mansão e foi morar nas regiões periféricas. Pouco tempo depois foi demitido, após ter feito o levantamento das terras cultiváveis em toda a vizinhança.
Para manter a competitividade e sobreviver na guerra do mercado à empresa substituiu toda a tecnologia de produção de sucos, embalagens descartáveis, demitiu os funcionários que não se adaptaram as novas máquinas e trouxe funcionários de outra região.
As laranjeiras foram perdendo produtividade devido à extenuação do solo e a empresa começou a apresentar prejuízos em seus balanços anuais.
Outro estrangeiro criou outra espécie de laranjeira que produzia frutos em maior quantidade, maiores, doces e logo tomou conta do mercado.
O aparato produtivo da empresa Laranjeiras se tornou obsoleto e sem condições de concorrer no mercado ela faliu.
Meu vizinho, agora morando distante, costumava acordar cedo e passar horas olhando para o céu. Envergonhado pedia perdão. Olhava seus netos famintos à volta da mesa e chorava.

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