sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A mensagem


Um ativista político depois de muitos debates e confrontação com os órgãos instituídos resolveu cessar seus ímpetos para refletir sobre seus atos. Possuía a idade em que os homens sentam e esperam a morte de olhos abertos. Estava disposto a rememorar seus anos de lutas e avaliar os reflexos de suas atividades. Estivera durante toda a sua vida envolvido nas lutas de classe, engajado que era não perdia debate ou refrega com policiais. Tinha voz ativa, pulso firme, agia com convicção. Fora um homem carismático, conseguindo atrair muitas pessoas para sua causa. Pessoas carentes procuravam-no para pedir-lhe ajuda, orientação e sempre colaborava. Esteve em muitos lugares e conheceu muitas pessoas que possuíam pontos de vista diversos, porém o ativista pouco ouvia as vozes e preferia tomar conhecimento do funcionamento do mundo lendo as teorias de pensadores de sua época e do passado.
Envolvido nas causas em beneficio da humanidade e lutando pela destruição do sistema constituído, pouco lhe sobrara para ouvir o que seu vizinho tinha a dizer, quais eram os problemas da sua rua, o convívio com os irmãos, como era a organização da casa e da pequena cidade onde morava.
Escrevia textos sobre política, economia, apontava os culpados e mostrava caminhos a serem seguidos, porém nunca deu ouvido aos principais interessados. Projetou o mundo ideal sem pensar nos habitantes, esquecidos que eram, continuaram sem serem lembrados.
Durante toda a vida pensou em destruir, destruir, mas nunca pensou em construir ou reconstruir. O que queria era a revolução, guerras e mudanças profundas na ordem estabelecida. Tinha consciência da miséria porque passavam a maioria das pessoas no mundo e conhecia as causas deste sofrimento, porém ao invés de ouvir estas pessoas e construir uma nova ordem que respeitasse o direito a vida e a dignidade, pensou logo em destruir o mal estabelecido deixando os inocentes desamparados em meio ao fogo cruzado.
Suas reflexões o deixaram deprimido, porém o tempo que lhe restara seria útil para reparar parte de seus erros. Pensou que suas reflexões seriam de bom uso para todos os habitantes da terra e que sua mensagem poderia atingir a todos. Sentou-se próximo a janela, num espaço que reservava para estudos e em poucas horas o texto estava pronto. Resolveu coloca-lo em um envelope e lança-lo pela janela. Do alto não conseguiria diferenciar as pessoas e deste modo deixaria que a sorte premiasse a pessoa que leria a mensagem pela primeira vez. Levada pelo vento a carta flutuou pelo quarteirão, baixando lentamente até pousar na calçada. As pessoas passavam apressadas e pisoteavam a carta, outras desviavam e seguiam adiante. O vento soprou e a carta perambulou pela calçada passando em frente à loja de artigos de luxo, pelas barracas dos ambulantes e se misturou ao lixo da cidade. Os cachorros dormiram e urinaram sobre a carta. Os ratos roeram partes do papel. A chuva caiu e ensopou a mensagem. As pessoas que dormiam na calçada não perceberam sua presença. A carta chamou a atenção do gari pela manhã. Ele abriu o envelope e admirou a beleza das letras, porém não sabia ler e jogou a carta no lixo. O veiculo que fazia a coleta do lixo recolheu a carta. No lixão a mensagem foi entregue a sorte em meio aos rejeitos humanos.
Os abutres pisotearam e a beliscaram. Uma criança recolheu a carta; mãos sujas, pés descalços. Apreciou a beleza das letras, não sabia ler, mas guardo-a na sacola.
Chegando ao barraco onde morava, lavou os alimentos, os brinquedos quebrados e jogou a carta no fogo para aquecer o feijão que borbulhava na panela.

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