sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Espinhos da vida.


Pai nosso.
Que estais nos céus.
Santificado seja o vosso nome.
Venha a nos o vosso... Uma voz arrogante interrompe a ladainha:
-          Mulher venha preparar este fígado! Ana ergue-se e vai até a cozinha:
-          Alcino, já passa da meia hora, como posso preparar este fígado? Alcino com a arrogância que lhe era peculiar emenda um desaforo a jovem mulher:
-          Largue sal e limão e ponha a fritar. Não negues um presente do Quica. Contentes-te com isto, pois é o que pude arranjar para hoje.
Submissa às imposições do marido, Ana não ousava contraria-lo, pois temia as agressões que marcavam seu corpo e feriam sua alma. Preferia resignar-se, e se entregar à oração. Amamentava seu jovem bebe e quando as aflições lhe tocavam a alma, chorava copiosamente, escondida e só num canto da casa.
Pensava em voltar à casa de seus pais, porém desonrada e com um inocente nos ombros, temia não ser aceita no seio familiar.
O vapor impregnava nas paredes, a carne cheirava a boi agonizante e Alcino com as botas sujas de bosta, resmungava pela casa a passos febris:
-          Droga de mulher, onde será que essa bendita enfiou minhas roupas?
Ana com muito pesar assistia seu marido sujar todo o assoalho que ela a quatro pés lustrara pela manha.
-          Esta sobre a cama! Gritou ela.
-          Aquela Collor. Ô tucano filha da p...! Agora que meu pai iria me emprestar algum trocado ele congela poupança!
Depois do banho e do almoço, Alcino pegando a chave do seu Fusca azul ano 1973, motor 1300, deixa um recado para a Ana:
-          Diga ao Geraldo açougueiro que o boi baio vendo por 12 arrouba e se quiser uma vaca boa de leite e só fazer o preço.
As tardes nubladas e frias daquele agosto davam ao ambiente uma tonalidade fúnebre e tornavam as atividades de Ana lentas e martirizantes. Ao som da radio AM local ela ficava a par das noticias da região e lá pelas 06h00min horas da tarde na oração da Ave-Maria ela se ajoelhava, agradecia, pedia, implorava e às vezes sorria.
Naquela tarde, gritos interromperam suas clamassões. Era o pobre anjo perturbado com alguma moléstia. Ele não tinha fome, nem sede, estava limpo e tinha proteção nos braços da mãe, porem gritava sem cessar.
Ana percebeu a chegada de seu esposo e apertou Lucas contra seu corpo na esperança de que abafasse seus gritos. Ouviu um barulho de metais e lembrou-se de que se esquecera de preparar o café. Alcino impaciente jogara algumas panelas pela janela e quebrara algumas xícaras.
Á passos firmes dirigiu-se ao quarto disposto a agredir sua esposa, mas um impulso humanístico caiu sobre seus ombros ao ver o sofrimento de seu filho.
Rude a maneira que era não conseguiu esboçar qualquer ato de afeto, deu as costas e foi ao rancho tratar dos animais.
A noite apresentou-se profundamente vazia em toda sua escuridão. Andando de canto a canto do quarto Ana tentava acalmar seu bebê. Pingou algumas gotas de azeite nos ouvidos de Lucas que pouco a pouco foi se acalmando.
Exausta Ana entrou em profundo sono, após um longo dia.

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